cego com cego

eu vi o cego lendo a corda da viola
cego com cego no duelo do sertão
eu vi o cego dando nó cego na cobra
vi cego preso na gaiola da visão
pássaro preto voando pra muito longe
e a cabra cega enxergando a escuridão

eu vi a lua na cacunda do cometa
vi a zabumba e o fole a zabumbá
eu vi o raio quando o, céu todo corisca
e o triângulo engulindo faiscá
via galáctea branca na galáctea preta
eu vi o dia e a noite se encontrá

eu vi o pai eu vi a mãe eu vi a filha
via novilha que é filha da novilhá
eu vi a réplica da réplica da bíblia
na invenção dum cantador de ciençá
vi o cordeiro de deus num ovo vazio
fiquei com frio te pedi pra me esquentá

eu via a luz da luz do preto dos seus olhos
quando o sertão num mar de flor esfloresceu
sol parabelo parabelo sobre a terra
gente só morre para provar que viveu
eu vi o não eu vi a bala matadeira
eu vi o cão, fui nos óio e era eu

Tom Zé/José Miguel Wisnik

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